CAPÍTULO 1

Sofia entrou naquela casa pelas mãos de sua mãe, que arranjou ali um serviço de empregada doméstica. Na casa havia mais duas meninas, mais ou menos da sua idade, filhas da patroa, que, desde pequenas, souberam colocar Sofia em seu devido lugar e este lugar estava, naturalmente, de acordo com as opiniões da mãe. Assim, a menina, por mais que tentasse se aproximar das duas, não conseguia fazê-lo.
Os brinquedos com que as duas riquinhas se divertiam durante todo o dia só se aproximavam das mãos de Sofia quando já estavam velhos e quebrados, pois enquanto pudessem servir às filhas, a patroa os guardava num enorme armário no quarto das meninas. Mas, se por um lado, era desprezada pelos patrões e suas filhas, por outro, Sofia era adorada pelos empregados, que percebiam que uma boa alma não habita necessariamente um corpo bem tratado pelo dinheiro. Há no mundo pessoas ricas boas e más, assim como pobres bons e maus. Neste caso, a arrogância, a prepotência e o orgulho conviviam com a riqueza, enquanto a meiguice e a bondade, com a pobreza.
Apesar de maltratada pela família da patroa de sua mãe, Sofia não era infeliz. Tanto a mãe quanto os demais empregados cuidavam dela com todo o carinho, deixando-a sempre limpa e arrumada, dando-lhe a atenção que jamais dariam às duas insuportáveis irmãs. Compreendendo desde cedo o que significava a diferença de classes sociais, Sofia foi crescendo, mas sem jamais se sentir verdadeiramente infeliz, muito embora, em diversas ocasiões, tivesse se sentido magoada com certas atitudes dos donos da casa.
A primeira infelicidade — permanente — que Sofria teve na vida foi a morte da mãe. A patroa havia pedido à mãe de Sofia que lavasse as janelas do andar de cima da casa. A empregada pediu para deixar para outro dia, pois acordara com um mal estar, que a estava deixando tonta. Como para a patroa só os patrões têm direito a doenças, ela afirmou que aquilo não passava de desculpas para não fazer o serviço e insinuou que poderia contratar outra pessoa com mais boa vontade. O receio de perder o emprego e, principalmente, desabrigar a filha, fez com que a mãe de Sofia fosse lavar as janelas. Enquanto se equilibrava do lado de fora da casa para limpar os vidros, uma tontura a desequilibrou, lançando-a no chão do jardim. O medo de perder o emprego a fez perder a vida.
A morte da empregada deixou a patroa muito apreensiva, afinal, teria que procurar outra, ensinar todo o serviço, discutir salário — e como as empregadas estavam abusadas hoje em dia, pedindo uma exorbitância para não fazerem nada direito! E ainda havia aquela menina, agora órfã. Que ela soubesse, e também os demais empregados, não havia parentes conhecidos na cidade. O pai da menina, sabe-se lá quem era! Talvez a mulher não fosse casada e tivesse se engraçado com o primeiro homem que tinha encontrado por aí — esse pessoal é tão estranho, mal conhece uma pessoa e já vai para a cama, já tem filho, sem se preocupar em casar, em ter um lar, em constituir uma família; parece mais animais do que seres humanos. Depois, querem ter os mesmos direitos que os patrões. Um verdadeiro absurdo!
A patroa foi até o Juizado de Menores. Solicitou a tutela de Sofia — a menina havia crescido em sua casa, estava acostumada com todos ali, era bem tratada, tinha casa, comida e escola. Seria mais fácil suportar a perda da mãe num lugar conhecido do que num estranho, cheio de gente desconhecida, talvez até delinqüentes, que a influenciariam de forma negativa. Por que não a adotar? Impossível! Ela já tinha duas filhas e não seria justo privá-las de parte da herança a que tinham direito por nascimento devido a um ato de caridade da mãe. O importante era dar um lar decente para a pequena órfã, para que ela tivesse uma oportunidade de ser alguém na vida.
A mulher conseguiu a tutela da menina e saiu do Juizado muito satisfeita. Sofia já não era nenhuma criancinha, já estava crescidinha e poderia muito bem ficar no lugar da mãe nos serviços da casa. Ela sempre ajudava a mãe e sabia fazer o serviço direitinho. Assim, não perderia tempo em treinar outra pessoa e até economizaria um salário, já que a menina era sua tutelada e não sua criada, ao menos às vistas da lei. E foi dessa forma que Sofia passou a fazer parte da família.